Terceirização na Administração Pública

5 de fevereiro de 2019

Leia o artigo de autoria do professor Doutor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Vitor Rhein Schirato. O texto faz parte da edição número 139 da revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP.

1 Observações iniciais

A definição clara do âmbito de atuação da Administração Pública e, por consequência, do Estado, sempre foi objeto de constantes discussões entre filósofos, juristas, sociólogos e cientistas políticos.

Como bem narra Tercio Sampaio Ferraz Junior, sempre houve uma segregação entre público e privado na estruturação do ordenamento jurídico. De acordo com o autor, o público seria relacionado ao coletivo, ao espaço de interação entre os cidadãos. De outro bordo, o privado seria relacionado à intimidade, aos espaços exclusivos dos indivíduos (Cf. Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 105-106).

De acordo com Odete Medauar, o surgimento do Direito Administrativo está diretamente relacionado ao advento de duas modificações introduzidas pelos movimentos iluministas: a separação de poderes e o Estado de Direito (Cf. Direito administrativo moderno. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 298). Segundo a autora, a separação de poderes é essencial para a formação do Direito Administrativo por criar o Poder Executivo, no âmbito do qual se situa a Administração Pública. Da mesma forma, o Estado de Direito é essencial por determinar a submissão da Administração Pública à lei, tornando possível a existência de um conjunto de regras a formar o Direito Administrativo.

No âmbito da formação do Direito Administrativo, nas discussões e mudanças trazidas pelo pensamento iluminista, sobretudo nas Revoluções Francesa e Americana, intensificou-se a apartação entre público e privado. Isso ocorreu porque havia um anseio de determinação de uma esfera privada, de exercício de liberdades pelos cidadãos, e uma esfera pública, limitada às necessidades públicas apresentadas pela sociedade.

Não obstante, sempre foi objeto de discussão a atribuição de um plexo de atividades ao Estado, a serem realizadas para satisfazer necessidades coletivas. É o que se pode verificar, por exemplo, a partir de diversas declarações de direitos produzidas no âmbito da Assembleia Revolucionária francesa.

Na evolução das discussões sobre o que é o Estado e qual o seu papel diante da sociedade, é apresentado o entendimento de Leon Duguit, para quem o Estado é um complexo de serviços públicos, de acordo com seu Tratado de Direito Constitucional (Cf. Traité de Droit Constitutionnel. 3e éd Paris: De Boccard, 1928. t. II, p. 60 et seq.). Ou seja, é apresentando o entendimento segundo o qual o Estado apenas tem como finalidade realizar algo para a população.

A ideia de um Estado realizador de atividades para a coletividade, com a finalidade de satisfazer suas demandas se intensifica a partir da primeira metade do século XX, com advento da nova ideia de constitucionalismo, que coloca o cidadão no centro da ordem jurídica e faz suas necessidades vincularem todas as escolhas públicas, como bem nota Luís Roberto Barroso (Cf. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 243 et seq.).

Na Europa, movimento de majoração de demandas públicas contra o Estado é bem capturado por Fritz Fleiner ao afirmar a existência de uma Administração prestacional e uma administração autoritária, conforme sua obra Princípios Gerais de Direito Administrativo Alemão (Cf. FLEINER, Fritz. Les Principes Généraux du Droit Administratif Allemand. Tradução Charles Eisemann. Paris: Delagrave, 1933. p. 80-81).

Ocorre, contudo, que o Estado nunca foi autossuficiente no atendimento às demandas coletivas. Como corretamente afirma Floriano de Azevedo Marques Neto, em estudo denominado “As Transformações da Dicotomia Público-Privado”, sempre, em maior ou menor medida, houve a necessidade de interação entre público e privado para a realização de finalidades públicas (Cf. ASIER (Org.). Regulación económica de los servicios públicos: dos décadas de regulación de servicios públicos em Iberoamerica. Lima: ARA, 2010).

Por evidente, esta realidade não passou despercebida. Como exemplo, tem-se o reconhecimento, pelo Conselho de Estado francês, do título de prestação de serviço público a particular que recolhia, por iniciativa própria, serpentes e outros animais venenosos, em prol da coletividade.

Diante da inafastável necessidade de interação entre Estado e particulares para a realização do interesse público, torna-se imperiosa a definição de quais os regimes jurídicos que podem ser aplicados aos enlaces que disciplinam os meios dessa interação.

A resposta a esta indagação não é trivial. Como propriamente afirma a jurista portuguesa Maria João Estorninho, vem se verificando uma constante discussão entre mecanismos de direito público e de direito privado, com uma espécie de “fuga” (conforme termo da autora) crescente para o direito privado (Cf. Fuga para o direito privado. 2. reimpr. Coimbra: Almedina, 2009).

Pois bem. Exatamente neste contexto se colocam as terceirizações na Administração Pública, as quais podem ser entendidas como um dos mecanismos de interação entre público e privado para a realização de finalidades públicas, cuja origem é direito privado, demonstrando o processo bem apontado na obra portuguesa acima citada.

As terceirizações são, na atualidade, tema de grande interesse para o Direito Administrativo. Em primeiro lugar, porque vêm sendo mecanismo de colaboração entre público e privado cada vez mais utilizado, empregado para o desempenho das mais diversas atividades públicas. E, em segundo lugar, porque despertam questionamentos de enorme interesse, como os relacionados aos limites do emprego da terceirização e as consequências de sua adoção.

Sendo assim, os exemplos que hoje podem ser colhidos com fartura do uso de terceirizações em casos como o fornecimento de mão de obra para Administração Pública, contratação de atividades secundárias como vigilância e limpeza predial e atividades inerentes à prestação de serviços públicos colocam os estudiosos do Direito Administrativo em constante discussão do tema, de forma a possibilitar, de uma só vez, o respeito às normas que regem a Administração Pública, o uso eficiente dos recursos públicos e a satisfação adequada de necessidades coletivas atribuídas ao Estado.

Destarte, é necessário analisar o que é terceirização e quais os limites para seu uso no campo do Direito Administrativo.

Leia aqui o artigo na íntegra.

 

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