Distinção entre “Controle social do poder” e “Participação popular”

6 de agosto de 2017

Sandro Damasceno_043

Leia na íntegra o artigo de autoria do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto publicado na edição 61 da Revista Trimestral de Direito Público.

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1. O controle social do poder, como forma de exercício dos direitos de liberdade e cidadania

1.1 Nos dicionários da língua portuguesa, “controle” é verificação, investigação, fiscalização. Ato de penetrar na intimidade de algo ou de alguém, com animus sindicandi. Pois com esse mesmo sentido é que o vocábulo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que, ao dispor sobre o controle externo e o controle interno da União, o fez debaixo de seção normativa que começa com o nome “fiscalização” (“Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária”, conforme se vê da Seção IX do Capítulo I do Título I). Um pouco antes, a Carta de Outubro já havia associado os termos “controle” e “fiscalização”, enquanto atribuição do Congresso Nacional que tem por objeto os atos do Poder Executivo (inciso X do art. 49). Enfim, insistiu na preservação do sentido fiscalizatório da palavra, já agora a propósito das funções institucionais do Ministério Público, por ela, a Constituição, encarregado de exercer “o controle externo da atividade policial” (inciso XII do art. 129).

1.2 Essa fiscalização constitucional opera no interior da própria máquina estatal (já o vimos), como opera de fora dessa máquina para dentro dela (já o veremos). É uma fiscalização que recai sobre o poder, sobre o governo, para se saber até que ponto as autoridades públicas são cumpridoras dos seus deveres para com as pessoas humanas, as associações e a coletividade em geral.

1.3 Pois bem, a fiscalização que nasce de fora para dentro do Estado é, naturalmente, a exercida por particulares ou por instituições da sociedade civil. A ela é que se aplica a expressão “controle popular” ou “controle social do poder”, para evidenciar o fato de que a população tem satisfações a tomar daqueles que formalmente se obrigam a velar por tudo que é de todos.

1.4 E por onde começa a Lei Maior o disciplinamento desse controle social do poder? Começa, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I do Título II). Ora para habilitar o particular a saber das coisas do Estado com vistas à defesa de direito ou de interesse pessoal, ora para habilitar o particular a saber das coisas do Estado com vista à defesa de direito ou de interesse geral: ou seja, a Constituição tanto aparelha a pessoa privada de imiscuir-se nos negócios do Estado para dar satisfação aos reclamos que só repercutem no universo particular do sindicante, quanto aparelha a pessoa privada para imiscuir-se nos negócios do Estado para dar satisfações a reclamos que repercutem no universo social por inteiro.

1.5 Assim, quando o Código Supremo reza que todos têm direito “à obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situação de interesse pessoal” (alínea “b” do inciso XXXIV do art. 5o), ela está protegendo o particular enquanto particular; quer dizer, o indivíduo tomado como um universo em si mesmo, um mundo inteiro à parte, pelo fato exclusivo da humanidade que “mora” nesse indivíduo. Quando, porém, a Lei Fundamental prescreve que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (…)” (inciso LXXIII do art. 5o), ela está protegendo o indivíduo enquanto membro da polis, habitante da civitas, sócio do Estado ou parte de um todo que o abarca e o supera, enfim, que é o cidadão.

1.6 Na primeira hipótese, a Constituição homenageia valores da individualidade, ou “bens de personalidade individual”. Na segunda, valores da sociabilidade, ou “bens de personalidade social”. Aqui, o controle do poder assume a forma de exercício dos direitos de cidadania. Ali, torna-se expressão dos direitos de liberdade.1 Mas numa como noutra suposição, a finalidade e os efeitos do controle têm as mesmas características centrais, como passamos a ­demonstrar.

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