Considerações: Veto ao artigo 16 do PL Saneamento | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

5 de abril de 2021

Autora do artigo:
Ana Carolina Hohmann
é Advogada, Mestre e Doutora
em Direito do Estado pela USP

 

Um dos dispositivos presentes no Projeto de Lei e que foi objeto de veto presidencial foi o artigo 16. O artigo diz respeito ao reconhecimento de situações de fato em que há a prestação de serviços públicos de saneamento básico no âmbito de uma relação jurídica entre município – enquanto titular do serviço – e empresas estaduais de saneamento e que passariam a ser regulares, com a qualificação da avença enquanto contrato de programa. O dispositivo autorizava, ainda, a renovação dos contratos de programa vigentes (e aí incluídos esses últimos) até 31 de março de 2022 por um período máximo de trinta anos. O veto, tal qual os demais, foi mantido pelo Congresso Nacional.

O fundamento do veto foi o tempo de prorrogação posto no dispositivo (qualificado como excessivo) e a possível limitação à livre concorrência – fundamento para a concessão dos serviços de saneamento. Explica-se: o novo marco legal do saneamento possui como uma de suas principais premissas ampliar a concorrência e estimular a participação da iniciativa privada no setor, além de buscar ser consoante à perspectiva de se imprimir maior eficiência ao setor.

A manutenção do veto tem como consequência imediata a necessária realização de procedimento licitatório pelos municípios para a delegação dos serviços públicos de saneamento básico a terceiros – sejam esses empresas públicas ou privadas – quando do atingimento de seu termo. Sob esse aspecto, as empresas públicas e sociedades de economia mista estaduais, atuais prestadoras, que tinham a perspectiva de manter os seus contratos e atuar por até mais 30 anos nos municípios em que prestam suas atividades, sem a necessidade de se submeter a procedimento licitatório, se vêm em um ambiente de incerteza. Acertadamente, contudo, tais empresas passam a receber tratamento isonômico às empresas privadas, na linha do que dispõe o texto constitucional em seu art. 173 e a Lei Geral das Estatais (Lei federal nº 13.303/16).

Veja-se, no entanto, que, na forma da redação do Projeto de Lei, a prorrogação dos contratos de programa não seria (i) obrigatória – posto que pressupõe concordância das partes signatárias; (ii) automática – já que demandaria a comprovação da capacidade econômico-financeira da companhia estatal prestadora para a universalização dos serviços até o dia 31 de dezembro de 2033, nos termos do art. 10-B da Lei federal nº 11.445/07; (iii) pelo prazo de trinta anos – uma vez que esse é o prazo limite ou máximo previsto na proposta de disciplina normativa, sendo possível a prorrogação por prazo inferior.

Ademais, não se pode ignorar que o artigo 16 do Projeto de Lei foi objeto de debates relevantes durante todo o trâmite do texto original, buscando compor os diversos interesses envolvidos em prol de um entendimento pacífico destinado à aprovação do PL.

Se por um lado é possível apontar o lobby de empresas estatais para que se mantivessem na posição de prestadoras dos serviços públicos de saneamento básico municipal pelo mais largo período de tempo possível, por outro o dispositivo vetado reconhecia a existência de investimentos que precisariam ainda ser amortizados, além das dificuldades e prazos para a realização de procedimento licitatório para a contratação de novo prestador. Diversos contratos de programa se encontram na iminência de seu termo e a ausência de uma regulamentação da norma, bem como diretrizes advindas da Agência Nacional de Águas (ANA) – que assume, a partir da publicação da Lei federal nº 14.026/2020, novas competências –, criam um cenário complexo, quiçá tortuoso. É certo que grande parte dos municípios brasileiros não possuem condições técnicas para, rapidamente, planejar um “novo” modo de prestação dos serviços de saneamento – seja sob o modelo de concessão comum ou de parceria público-privada, com a realização de audiências públicas, publicação de editais, minutas contratuais e de todos os instrumentos subjacentes necessários.  Sob esse aspecto, a ruptura abrupta dos contratos de programa vigentes pode se mostrar traumática.

Outro ponto de dificuldade que se apresenta diante da manutenção do veto se refere à prestação regionalizada do serviço público de saneamento básico – regiões metropolitanas, microrregiões, aglomerações urbanas ou unidades regionais de saneamento básico. Explica-se: caso o município integre alguma dessas estruturas, com o reconhecimento do serviço de saneamento básico enquanto serviço público de interesse comum, a sua prestação deverá se dar no âmbito regional. Haverá um único prestador para todos os municípios da região, com a condução do procedimento licitatório pelo ente intermunicipal, num ambiente de governança interfederativa. Ocorre que, não raro, os contratos de programa atualmente vigentes nos diversos municípios terão termos distintos, o que dificultará a atuação integrada. Se por um lado os instrumentos atuais não poderão ser prorrogados, por outro, instrumentos vigentes não devem ser extintos antecipadamente.

Tratam-se de questões que deverão ser regulamentadas com o objetivo de assegurar a contínua e adequada prestação dos serviços de saneamento, sem que se perca a perspectiva da universalização (preconizada até o ano de 2033) e eficiência.

 

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2 comentários em “Considerações: Veto ao artigo 16 do PL Saneamento | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

  1. No contexto proposto pela PL. seria interessante discutirmos a figura de um representante público inter-regional, assim como para o saneamento o transporte público sofre com deficiencias em função dos limites de atuação e uma ação integradas trará resultados melhores.

    • Editora FÓRUM disse:

      Certamente a prestação regionalizada de serviços públicos pode (e deve) ser pensada para uma diversidade de serviços – estejamos ou não os discutindo no âmbito de uma região metropolitana institucionalizada. No saneamento a pertinência é flagrante. A título de exemplo basta pensarmos no abastecimento e distribuição de água (em que os reservatórios costumam abranger uma gama de municípios) ou na destinação adequada de resíduos sólidos (a título de exemplo, os aterros costumam se situar distante dos grandes centros). Ademais, a prestação regionalizada possibilita a dissolução de custos fixos relevantes. A questão do transporte público metropolitano certamente se insere nessa mesma lógica. A integração não apenas possibilita uma melhor prestação dos serviços à população – inclusive a partir de medidas como a unicidade da tarifa, como economicidade à Administração Pública. Até mesmo na seara da saúde, com os consórcios intermunicipais de saúde é possível observar ganhos de eficiência e melhor atendimento da população. Dada as especificidades de cada serviço, as soluções integradas podem ser pensadas setorialmente e de modo colegiado, com a participação dos vários municípios interessados. No âmbito de diversas regiões metropolitanas já vêm sendo implementadas soluções nesse sentido.

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