Desafios Regulatórios às Concessões de Rodovias em 2021 | Coluna Direito da Infraestrutura

27 de janeiro de 2021

    Rafael Véras é professor responsável do LLM
em Direito da Infraestrutura da FGV Direito Rio.
Doutorando e Mestre em Direito da Regulação
pela FGV Direito Rio. Advogado.

 

O setor de concessão de rodovias experimentará grandes desafios de reconstrução, em 2021. Tais desafios perpassam o endereçamento de três eixos de problemas. O primeiro e mais saliente diz com necessidade de se construir uma solução concertada (entre Poder Concedente, Concessionários, usuários e reguladoras) para os desequilíbrios econômico-financeiros provocados pela Covid-19. O segundo diz com a recuperação da credibilidade do setor, que restou abalada por decisões políticas de encampação de ativos concessórios – a exemplo do que se passou, no Rio de Janeiro, por ocasião da encampação da Linha Amarela. E o terceiro está relacionado com o endereçamento de um devido processo legal de devolução consensual de ativos (a relicitação), notadamente das Concessões da 3ª fase do PROFROFE.

A segurança jurídica será o elo de ligação para a resolução dos três problemas. Assim é que, para equacionar os denominados “reequilíbrios-Covid”, algumas providências poderão ser adotadas, ex post, a depender da modelagem e da matriz de riscos de cada contrato. Nesse quadrante, tenho que o primeiro passo será a produção de uma decisão constitutiva (pela entidade reguladora), lastreada em robusta motivação econômica-jurídica, que confira certeza sobre a quem o risco de um evento sanitário, de proporções globais, teria sido alocado (como se passou, no setor de aeroportos). Num segundo momento, deve-se estabelecer o quantum de desequilíbrio (considerando o Plano de Negócios –PN, ou o Fluxo de Caixa Marginal- FCM, a depender do modelo regulatório). E, num terceiro momento, deve-se estabelecer, consensualmente, as formas de reequilíbrio, por intermédio de soluções econômico-financeiras adequadas, que privilegiam soluções com baixos custos de transação e que gerem desincentivos a condutas oportunistas pelas partes.

No que respeita às providências, ex ante, a Pandemia provocada pela Covid-19 nos trouxe ensinamentos. Reafirmou a incompletude de tais ajustes concessórios, reclamando a inclusão de cláusulas de abertura contratual às “incertezas”, dentre as quais, destacamos: (i) a inclusão de cláusulas veiculando uma Conta de Reserva de Outorga (usualmente utilizada nas modelagens da ARTESP), que tem por desiderato criar um fluxo de reserva de recursos para o ativo (formado por outorgas variáveis pagas pelos concessionários), para o fim de se propiciar reequilíbrios econômico-financeiros mais expeditos, sem o dispêndio de recursos públicos e sem o incremento tarifário; (ii) a inclusão de cláusulas que veiculem um Acordo Tripartite (Direct Agreement), por intermédio do estabelecimento de regras adequadas para um adequado way out  do projeto, que, de um lado, reconheça a importância do financiador no monitoramento da sustentabilidade econômica dos ativos, mas, de outro, evite condutas oportunistas de devolução imotivada por parte dos concessionários; e (iii) o estabelecimento de cláusula proteção das oscilações dos valores de moedas estrangeiras, que, distribuindo entre as partes o risco cambial, como sugerido pela Global Infrastructure Hub (GIH), proporcione a realização de investimentos estrangeiros.

Quanto à devolução dos ativos, do mesmo modo, deverão prevalecer as “regras do jogo” (providência também atrelada à retomada de segurança jurídica), que devem ser instrumentalizadas, por normativos regulatórios e cláusulas contratuais. Tais instrumentos, mais do que reproduzir normas de primeiro grau (a exemplo da Lei n°13.448/2017), devem detalhar o procedimento arbitral que irá endereçar as controvérsias atreladas à devolução do ativo; a metodologia adequada, a lastrear a indenização pelos investimentos em bens reversíveis não amortizados (patrimonial, contábil ou de reposição de ativo); uma proposta de termo aditivo de devolução, que será objeto de pactuarão entre concessionários e Poder Concedente; um sistema sancionador regulatório responsivo, que reconheça as peculiaridades de um ativo em devolução. A tais normativos os órgãos de controle (Poder Judiciário e Tribunais de Contas) deverão ser deferentes. Não lhes sendo autorizado a se substituir ao regulador, como ocorreu, por exemplo, na decisão cautelar proferida, no âmbito do Acordão nº2924/2020, proferida pelo TCU, na qual a Corte de Contas entendeu que a metodologia fixada, pela Resolução ANTT n°5.960/2019, seria “inadequada”. Afinal, não se pode desconsiderar que o “risco jurídico” do projeto será arcado, ao fim e ao cabo, pelos usuários da rodovia.

Quanto à recuperação da segurança jurídica em sentido estrito, temos que o caminho do setor de rodovias passa pela aplicação da Lei 13.665/2018 (Nova LINDB). Afinal de contas, não é crível que, quase mais de 20 anos após experiência paranaense (“era Requião”), ainda se admita encampações, imotivadas e insustentáveis economicamente, lastreadas em conceito jurídico lassos, com os de “interesse público” e de “importância da via concessionada”. Na verdade, predica-se que o gestor público, nos casos de encampação, tenha o ônus argumentativo decisório de estabelecer, com lastro nos arts. 20, 21 e 23 da LINDB: (i) o “interesse público” concretamente materializado da retomada da exploração direta do ativo e a sua economicidade; ora se é certo que ele teve de aferir o “Value for Money”, para licitar (art. 5° da Lei 8.987/1995), não é menos exato que ele o deve estimar para retomar a sua exploração direta; (ii) o estabelecimento de um regime de transição, que contemple as providências necessárias para retomada do ativo, dentre as quais, a identificação e a avaliação dos bens reversíveis, o estabelecimento de um tarifa provisória; e (iii) as consequências da retomada do serviço, o que envolve estabelecer a forma por meio da qual o ativo será explorado (direta ou por intermédio de um novo concessionário), bem como a disponibilidade orçamentária para fazer frente ao pagamento da indenização devida pela extinção prematura do contrato, nos termos dos arts. 15 e 16 da Lei Complementar n°101/2000 (composta por danos emergentes e lucro cessantes).

Há, portanto, de se concluir que, por mais repetitivo que possa parecer, em 2021, o avanço do setor de concessão de rodovias passa pelas três vertentes da segurança jurídica. Pela sua vertente da estabilidade, dando-se perenidade aos atos jurídicos e aos efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios nas normas ou no entendimento que se faz delas. Pelo seu vetor de previsibilidade, protraindo mudanças bruscas, surpresas, armadilhas. E, por fim, pelo seu vetor de proporcionalidade (e de ponderabilidade), na medida em que a aplicação do direito não pode nem ser irracional, nem desproporcional. Mas tenho para mim que o setor já detém um amadurecimento, institucional e normativo, que possa dar concretude à aplicação da segurança jurídica nas concessões de rodovias. É aguardar.

 

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REVISTA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA – RBINF
REVISTA DE CONTRATOS PÚBLICOS – RCP
DESESTATATIZAÇÕES
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