O enforcement contratual dos tribunais de contas nas futuras novas concessões do saneamento básico | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

6 de janeiro de 2021

Aldem Johnston Barbosa Araújo
é pós-graduado em direito público,
membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE,
advogado em Mello Pimentel Advocacia.

 

Da lição de Décio Zilbersztajn e Rachel Sztajn[1] extrai-se, de modo genérico, que o conceito de enforcement pode ser entendido como a capacidade que o sistema possui de fazer com que os contratos sejam cumpridos, representando, assim, um dos mais importantes elementos definidores da formulação e desenho dos contratos.

Ao alterar a redação da Lei nº 11.445/2007, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (NMLSB ou Lei nº 14.026/2020) trouxe uma grande perspectiva de mudança no setor, vez que saem os contratos de programa executados por empresas estatais e entram contratos de concessão que, especula-se, em sua maioria, podem vir a ser executados por particulares.

Neste novo cenário, o enforcement dos contratos celebrados sob a regência do NMLSB certamente também será exercido pelos Tribunais de Contas.

Os novos players que atuarão no setor de saneamento não podem ter a ilusão de que esses novos contratos de concessão decorrentes da Lei nº 14.026/2020 serão objeto de uma postura absenteísta por parte das Cortes de Contas dos entes subnacionais como aparentemente se extrai do que restou decidido, verbi gratia, pelo plenário do TCU nos acórdãos 2527/2015[2], 833/2015[3] e 909[4].

Antes do NMLSB, o TCU entendeu que “compete às agências reguladoras estaduais ou municipais a regulação econômica dos contratos de concessão de serviços públicos de saneamento, bem como a apuração dos seus equilíbrios econômico-financeiros” e que “cabe aos tribunais de contas estaduais ou municipais o controle externo sobre esses contratos” (vide acórdão 2051/2015 – plenário).

Entretanto, essa “regulação econômica” dos contratos de saneamento que aparentemente ficaria apenas a cargo das agências reguladoras certamente não afastará a ingerência dos Tribunais de Contas locais de questões relativas a tarifas/modicidade tarifária e até mesmo relativas a direito administrativo sancionador/consensualismo, conforme se pode extrair dos acórdãos 644/2016[5] e 2533/2017[6] do plenário do TCU.

Diante da cada vez mais crescente (e questionável) expansão do TCU sobre áreas que não se enquadram literalmente nos lindes de suas atribuições constitucionais, não será algo de se espantar que os Tribunais de Contas locais se debrucem como nunca se debruçaram sobre o setor de saneamento, não só nos moldes do que ocorreu nos acórdãos 644/2016 e 2533/2017 do plenário do TCU, como também se debrucem nos contratos de concessão do NMLSB para exercer um enforcement que, por exemplo, exija o cumprimento das metas de universalização.

Assim, além do Poder Concedente, da Agência Reguladora competente, da Agência Nacional de Águas com as suas normas de referência e do Ministério Público, os novos players do setor de saneamento devem estar preparados para interagir com o Tribunal de Contas.

 

[1] ZILBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel, Economia e direito – análise econômica do direito e das organizações, Rio de Janeiro: Campus, 2005, pág. 120.
[2] Não compete ao TCU, no exercício do controle externo da Administração Pública, fiscalizar diretamente as empresas concessionárias de serviço público, mas sim examinar se o poder concedente está fiscalizando de forma adequada a execução dos contratos de concessão.
[3] Nos processos de concessão, o TCU não deve entrar nos espaços decisórios próprios do Poder Concedente, mas tão somente verificar a razoabilidade dos fundamentos utilizados para definição das políticas aplicadas e a legalidade dos procedimentos adotados na execução.
[4] A fiscalização do cumprimento de metas de qualidade previstas nos contratos de concessão de serviços públicos não está abrangida na competência imediata do TCU. No exercício do controle externo da Administração Pública Federal, não compete ao Tribunal fiscalizar diretamente as empresas delegatárias de serviço público, mas sim examinar se o poder concedente está fiscalizando, de forma adequada, a execução dos contratos celebrados. O controle exercido pelo TCU incide diretamente sobre a agência reguladora e mediatamente sobre as delegatárias.
[5] O TCU pode determinar medidas corretivas a ato praticado na esfera de discricionariedade das agências reguladoras, desde que esse ato viole o ordenamento jurídico, do qual fazem parte os princípios da economicidade da Administração Pública e da modicidade tarifária na prestação de serviços públicos.
[6] A celebração de TAC entre agência reguladora e concessionária de serviço público em substituição à instauração de processo administrativo sancionador deve estar fundamentada no compromisso de a concessionária assumir obrigações compensatórias para as infrações praticadas, a exemplo de redução de tarifas ou investimentos suplementares na melhoria da prestação dos serviços, e não se limitar à mera assunção de obrigações e penalidades já estabelecidas no contrato de concessão.

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