A prestação regionalizada e a gestão associada de serviços públicos de saneamento | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

17 de março de 2021

Érica Miranda dos Santos Requi é mestre em Direito do Estado
pela Universidade Federal do Paraná (2018). Especialista em Direito Administrativo
pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2012).
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2010).

 

A Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, intitulada o Novo Marco do saneamento, apresentou regras mais claras a respeito do exercício da titularidade por meio de gestão associada e para a prestação dos serviços públicos de forma regionalizada. Elencou a prestação regionalizada dos serviços, que antes era conceituada apenas como o atendimento a dois ou mais titulares, para elevá-la a princípio fundamental para a geração de ganhos de escala e para a garantia da universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços (art. 2º, XIV, da Lei nº 11.445).

De acordo com a nova Lei, a prestação regionalizada é a modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico, em determinada região cujo território abranja mais de um Município, tendo por objetivo gerar ganhos de escala e garantir a universalização e a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços.

Esse formato de prestação dos serviços públicos de saneamento pode ser estruturado por região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião e também por dois novos formatos criados pela Lei nº 14.026, de 2020: a unidade regional de saneamento básico ou o bloco de referência.

A região metropolitana, aglomeração urbana e a microrregião são unidades instituídas pelos Estados mediante lei complementar, de acordo com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal, constituídas por agrupamento de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

O Estatuto da Metrópole define a região metropolitana como a unidade regional instituída pelos Estados, mediante lei complementar, constituída por agrupamento de Municípios limítrofes para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Por sua vez, define a aglomeração urbana como a unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas.

Não define, contudo, as microrregiões. Apenas estabelece que as suas disposições se aplicam, no que couber, às microrregiões instituídas pelos Estados com fundamento em funções públicas de interesse comum com características predominantemente urbanas (art. 1º, § 1º). Assim, a rigor, compete às leis complementares estaduais definirem seus conceitos e formatos de regionalização.

Como dito, o novo marco criou a unidade regional de saneamento básico, definindo-as como o agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, ou para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos.

Essas unidades devem ser instituídas pelos Estados mediante lei ordinária e adotar a estrutura de governança prevista no Estatuto da Metrópole. Também, devem apresentar sustentabilidade econômico-financeira e contemplar, preferencialmente, pelo menos 1 (uma) região metropolitana, facultada a sua integração por titulares dos serviços de saneamento.

Na hipótese de os Estados não estabelecerem as unidades regionais de saneamento básico no prazo de um ano da publicação da Lei nº 14.026, de 2020, a União estabelecerá, de forma subsidiária aos Estados, blocos de referência para a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico.

O bloco de referência é o agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, estabelecido pela União, para a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico, nos termos do § 3º do art. 52 da Lei nº 11.445/2007. Contudo, a criação formal do bloco de referência dependerá da gestão associada voluntária dos titulares, a princípio, por meio de consórcio público ou convênio de cooperação.

O novo marco ainda previu a possibilidade de exercício da titularidade dos serviços de saneamento por gestão associada, mediante consórcio público ou convênio de cooperação, nos termos do art. 241 da Constituição Federal. Portanto, admitiu a formalização de consórcios intermunicipais de saneamento básico, exclusivamente composto de Municípios, que poderão prestar o serviço aos seus consorciados diretamente, pela instituição de autarquia intermunicipal.

Os consórcios públicos conformam instrumento para o desenvolvimento urbano integrado de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas, ou seja, são instrumentos para a prestação regionalizada dos serviços públicos. O detalhe é que, ainda que não haja lei complementar estadual definindo a região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, voluntariamente, os municípios podem constituir consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum, nos termos da Lei nº 11.107, de 2005.

Todos esses formatos apresentados pelo novo marco pressupõem a atuação do Estado (ou subsidiariamente da União) para a instituição da região de prestação dos serviços. Trata-se da regionalização compulsória aos Municípios para a prestação de serviços públicos de interesse comum, cuja consequência é a fixação de competência metropolitana para a prestação dos serviços públicos de interesse comum.

Ou seja, a criação da região metropolitana pelo Estado (ou de bloco de referência pela União) tem como resultado a fixação de uma competência metropolitana para a prestação dos serviços de interesse comum. Isso quer dizer que competirá à autoridade metropolitana, em conformidade com as normas estabelecidas na lei de criação, regulamentar a prestação dos serviços e não aos municípios de forma isolada.

Em vista disso, os Municípios que pertencem a uma região metropolitana devem planejar a prestação dos serviços públicos de saneamento de forma regionalizada e não individualmente.

Exceção se coloca na hipótese do § 4º, do art. 11-A, no caso de Municípios pertencentes a uma região metropolitana que estejam com estudos para concessões ou parcerias público-privadas em curso. Nesse caso, somente será possível dar seguimento ao processo e efetivar a contratação respectiva se houver a previsão de assinatura do contrato em até 1 (um) ano[1]. Em qualquer outro caso, o Município pertencente a uma região metropolitana deve planejar a prestação dos serviços com a região metropolitana.

Fica evidente que a Lei nº 14.026, de 2020, que estabeleceu o novo marco da política de saneamento básico no Brasil adotou a prestação regionalizada como premissa para a universalização deste serviço. E nesse ponto, apesar da necessidade de regulamentação para melhor esclarecimentos de temas específicos, o novo marco apresenta o desafio da gestão do futuro: a gestão regional.

[1] A redação deste dispositivo pode gerar certa polêmica, uma vez que o caput discorre sobre o limite de 25% para a subdelegação dos serviços de saneamento prestados por contrato. A redação comporta diversas interpretações. Uma delas, que nos parece mais plausível, seria a hipótese de que o limite de 25% para a subdelegação não se aplica aos estudos para concessões ou parcerias público-privadas em curso, nos Municípios, desde que os contratos sejam assinados em até um ano.

 

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